quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Coisas que o Internato nos traz....

Mesmo com todas as minhas pendências (falta de documentos, foto, identidade, cpf, comprovante das 240h de optativa/projetos/CA, etc) entrei no internato.
Comecei pela Tocoginecologia. E entre começar com "G" e a "O", escolhi começar pela "G"...acho que foi acertado; menos volume de trabalho, tenho tempo pra estudar, como que para me acostumar aos poucos à idéia do Internato. Gostei quase que de cara, os residentes que estão com a gente são bem atenciosos, me fizeram sentir à vontade, bem como o grupo de internos da MEAC...é impressionante como há uma identificação- os antigos se vêem nos mais novos, e tentam, sempre que podem, evitar que os erros que eles cometeram sejam cometidos novamente. As horas do almoço sempre são de trocas de experiências; sabemos na fila, o que aconteceu na sala de parto, na emergência, os preparativos para a formatura da próxima turma...
Pois é, sei que hoje vi a cirurgia de uma paciente que estou acompanhando...deixaram-me fazer um procedimento- fiquei chateada pq nao obtive o exito esperado...mas depois nem liguei mais, ninguem reclamou comigo porque sabiam que o residente devia ter-me mostrado com maior precisão o que fazer... a cirugia demorou muito; fiquei cansada, quase nao teve almoço pra mim...fiquei chorando pra mulher do refeitorio me dar as sobras e ainda comi extremamente rápido (!) pois já era hora da visita com o prof Medeiros... hoje ele nem foi... mas o pior msm, foi na hora de ir embora, o sobrinho da mesma paciente veio conversar comigo, perguntou como havia sido a cirurgia, se descobriram o que havia no ovário dela... nao consegui contar pra ele que o CA da paciente era maligno, disse que não sabia...eu sabia; durante o procedimento cirúrgico, corri até a patologia para levar o ovário a ser utilizado e saber o resultado da biópsia de congelação....Havia certaza da malignidade, a dúvida permeava entre o tipo: se carcinomaendometrióide ou cistoadenocarcinoma mucinoso; se era muito ou pouco maligno
não consegui falar isso a ele...Eu o vejo tão atencioso com ela...A senhora parece ter um certo grau de oligofrenia, não sei bem...ele sabe descrever todos os sintomas, sabe com que idade ela teve menarca e menopausa.... não consegui dizer, fiquei com medo de dizer qualquer coisa, nao falar do modo certo...
Sei que para mim seria uma primeira experiência em dar notícias ruins; mas para ele, é a vida deles!; fazia parte da vida deles esse momento e eu não podia me dar o luxo de treinar nele a minha habilidade em dar notícias tristes, para quando eu for médica proceder corretamente com meus futuros pacientes... Acredito que temos, na graduação, a ter uma visão- ou somos levados a ter- muito utilitarista dos pacientes que utilizam os serviços vinculados à Universidade. Sugamos deles, de várias formas, os dados que nos levam a sedimentar nosso conhecimento. Em troca, oferecemos a eles a cura ou alívio dos sintomas. Não me parece muito justa a troca, pois não os dá outra alternativa senão se submeter a toda sorte de exames, incomodos, repetidos por estudantes,residentes, staff ao redor.
Ao chegar a minha casa, imaginei que o melhor teria sido falar a verdade a ele. Ter-lhe explicado o que encontramos e a possibilidade de ser de um tipo menos maligno...melhor que deixá-lo ainda com esperanças de um cisto simples ou algo do tipo....
De qualquer modo, para mim foi um aprendizado; para ele, continua sendo a causa da ansiedade e falta de sono à noite....meu engano, não causa impacto na minha vida; na dele, pode até resultar em final de uma vida de dedicação à alguém especial e perda de toda uma conformação e referencial de vida.
Tentei estudar, mas caí, nas margens semi-eternas do sono profundo; acordei, mandei um email, contendo esse desabafo e resolvi fazer essa postagem com intuito de compartilhar um dia complexo de minha vida com quem porventura leia este bloguer criado para outros fins. Complexo no sentido de tentar entender o motivo da formação médico-acadêmica e como nos utilizamos disso para nosso aprendizado.

Um comentário:

Herley Lins disse...

Ao iniciarmos o curso, não fazemos idéia de como esse lugar de cuidado é apavorante e de como nosso espírito está em jogo: se não for formado de maneira sólida, deforma. Não há como escapar a isso. E é tudo tão rápido, meu Deus... Tenho vertigens, Gracinha. Compartilho-as contigo.