segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Et Dieu... Crea La Femme



Hoje assisti, entre aspas, à esse filme. Digo entre aspas pois preferi, durante a maior parte dele, pela zizizizilionézima vez o clássico: Os fantasmas se divertem.

Como diria Valdi, a 'sínopsis' do filme é sobre uma órfã (Brigitte Bardot) mal vista, pela pequena localidade na França, devido a seu comportamento liberto e desejada pelos homens. Sente-se atraída por um homem, mas casa-se com o irmão dele. 

Enredo pareceu-me meio fraco, "narrada" do ponto de vista masculino, ela é vista como uma mulher avassaladora, um furacão que destrói a vida de qualquer homem.



O apresentador do programa do canal Arte (que exibiu o filme) já nos havia advertido que "o forte do filme não era seu enredo" e que "prestássemos atenção no modo como o diretor enfoca Bardot". Fiquei curiosa com esse aspecto e resolvi vê-lo.

Houve momentos em que me irritou o modo como a câmera tremia discretamente ao tentar gravar continuidade de movimento (acredito que nesse tempo-1956- ainda não havia aqueles carrinhos para fazer 'Travelling'). 

Mas, de fato, é impressionante o modo como ele flagra Brigitte. Uma mulher liberta, com movimentos fluidos, parece sempre estar dançando. Também capta-se uma certa ingenuidade em seu rosto, como se não tivesse dimensão de sua própria graça, e, sensualidade a ela fosse algo tão natural quanto sua respiração. Um quê de Gabriela de Jorge Amado (ou vice-versa?). 

Ela está belíssima nesse filme. Parece um enorme clichê falar da beleza da atriz. Também pensava assim, até ver as cenas do filme. O movimento do corpo, o balanço dos- enormes - quadris, um brilho nos gestos. Ela realmente parece dançar!

Ponto alto do filme (das cenas que vi hehe) a dança final, em que ela parece 'exorcizar' seus demônios ao som de um bom mambo (no filme eles chamam salsa). Abaixo fica aí a fotinha da cena que falei.




Bom, posso não ter sido totalmente fiel com minha descrição, uma vez que não vi o filme por completo. Mas foi, exatamente, essa sensação que tive nos momentos em que assisti. Talvez (re)assista a ele outro dia. Ou não.


domingo, 18 de agosto de 2013

Ah! a promessa:

- sai o rosa.
- o Nosferatu fica!

Há tanto tempo....

e há tão pouco tempo!

Esse blog estava imensamente abandonado (a última vez que pus algo por aqui foi em 2010) e tantos acontecimentos existiram desde então. 

Escrevi um texto- ano passado, acho- com objetivo de escrevê-lo aqui. Fiz o texto inteiro, e era enorme!, mas estava sem acesso a internet (não me lembro bem, acho que estava sem computador- ah, lembrei, o teclado estava quebrado), modo que acabei escrevendo em uma folha de papel. Mas perdi-o. Lembrei do trecho de Amália Rodrigues, "Tive um coração, perdi-o Ai quem mo dera encontrar". Ai quem mo dera encontrar também, o texto, não o coração. Meu coração está bem aqui, ritmo regular em dois tempos, BNF, sem sopros, só saudade. 

Engraçado que, pelo que me lembro daquele texto, era uma grande atualização para o blog, mas, tão desatualizado em comparação com a minha vida.
  
Voltando agora ao espaço do seríamos sísifos, sinto que devia contá-lo em que situação me encontro. Aqui era um velho conhecido no qual despejava idéias 'nada a ver' sobre temas que pensava naquele determinado espaço de tempo. Com certeza minha escrita deve ter mudado (ai, espero que sim!). Uma coisa de que tenho certeza é que não escrevo mais a palavra 'postagem'. Não queria utilizar o estrangeirismo 'post', mas o fato é que hoje acho essa palavra meio cafona. Quando reli  o que havia escrito (um outro dia, hoje eu nem li) tive imensa vontade de corrigir o que escrevi e, até mesmo apagar o POST. Mas aí nem fiz nada. Atribuo a ação, naquele tempo, à inércia -deixa isso aí, ninguém nem olha esse blog mesmo. Hoje não teria coragem de modificar, faz parte do meu passado, por mais que me envergonhe (tipo as fotos dançado spice girls e chiquititas- aliás, onde estão essas fotos mesmo?).

Aproveitando exatamente que esse blog não é visitado posso ficar livre para escrevê-lo da maneira mais anárquica. Parecendo que estou falando sozinha -o que, aliás, também tenho feito. 

Atualizar-te-ei, então, amigo sísifos, sobre minha vida. Não que você esteja interessado em saber, mas sinto-me com uma espécie de obrigação moral com você "como assim volta a escrever nesse negócio, assim do nada e nem diz porque voltou ou o por quê de ter passado tando tempo fora!!!". 

Formei-me em 2011, no final do ano. Houve festa, missa, descerramento da placa, aula da saudade (evento que mais gostei), festa somente com a turma (não fui a essa). No baile, tive medo de cair do palco (ainda não perdi o medo de altura, nem do escuro), Gabi deu-me uísque no 'backstage' (odeio uísque, mas fui 'convencida' a tomar). A dose não me anestesiou e, todo o momento que estive no palco, pensei que ia cair (a paranoia continua). A música que escolhi para tocar foi "A montanha" de Engenheiros do Hawai. Acho que teve a ver. Contemplação do futuro mas com certo receio e reconhecimento de que aquela etapa estava sendo cumprida.  

Nem falei do período do internato. Hoje parece-me distante, coisa de décadas. Sofri demais com a história de vida das pessoas, meu excesso de responsabilidade e as terríveis somatizações que experimentei. Quase desmaiei no meio da rua porque perdi um plantão. Envelheci sem saúde durante os dois anos, disso eu tenho certeza. Mas, também, aprendi mais que em qualquer outro período da faculdade. Amadureci também. Espero que a residência me traga o que o internato me trouxe de bom, sem tantos sofrimentos. 
    
É, ainda não fiz residência. Duas provas passaram, desde que me formei. Não fiz nenhuma delas. Faltou-me coragem. Não havia estudado direito, o pai adoeceu, estudei menos ainda. Estava quase pensando em fazer a mesma coisa. Covardia, Medronismo, isso ainda não mudou em mim. 

Falando assim parece que nada bom aconteceu em minha vida. Não é verdade. Há coisas boas que seguem.

Fui trabalhar em São Benedito. Fiquei angustiada ao final da graduação. Estava no auge do 3º D da medicina (como diria o dr Fábio)- desespero. Como isso pode ser uma notícia boa? Afff, calma lá, conto já a história. Formada e voltando para a casa dos pais. Fazendo o movimento inverso. Achava aquilo ultrajante para mim mesma. Eu deveria ter minha própria casa, começar minha vida. Ser adulta. 

Bom, não fui, totalmente. Comecei a trabalhar, e, por sorte, as pessoas gostam do meu trabalho. Talvez por que as deixe falar (uma característica que sei mesmo que tenho: saber escutar as pessoas). Trabalhei, em 2011, no posto do bairro da Vila Franco e no CAPS.

Atualmente continuo em São Bené, agora no PSF do Centro de Saúde. Não mais no CAPS, nem na Vila Franco/Chora/Cachoeira/Campo de Pouso/Miranda. Ah, também faço atendimento na cadeia pública (faz parte do território da minha nova área)- dá um post só sobre isso.

Com meu salário e sem muitos gastos, coloquei-me em outro patamar no que se refere a aproveitar a vida. Fomos a pousadas; restaurantes diferentes (Vilinha, Don pepe- nem existe mais-, La Paella, Lautrec, Lô, Sherlock, etc); viagens! (São Paulo- conheci a sede nac e a da Li, Guaramiranga...hum, acho que só. Nossa, viajamos pouco!); e livros. Sim, livros! Cresceu exponencialmente a quantidade de livros adquirido (engraçado utilizar essa palavra 'exponencial' como representação de um acréscimo impossível de numerar, quando, realmente, desde o período do colégio, esse conceito matemático nunca foi compreendido bem por minha parte. E viva as promoções relâmpago das livrarias e editoras! Tive a oportunidade de, graças às compras motivadas pelas promoções, conhecer autores impressionantes, sobretudo, a oportunidade de conhecer a literatura em língua Portuguesa. Fica aqui a promessa de escrever, futuramente, publicações sobre livros e autores, em especial, Valter Hugo Mãe e João Tordo, que já virei fã de carteirinha dos dois. Comprei perfumes e roupas novas (afinal, os passeios gastronômicos tem implicações objetivas na minha constituição física).  Comprei também um Icoisa (computador de mão da apple sem muita utilidade prática) e deixo aqui mais outra promessa de escrever sobre as fases do luto que passei ao adquirir um produto com a marca da maçã mordida (nem a fruta inteira eles tem coragem de dar). 

Tive a possibilidade de ajudar quem precisou, sustentar parte da casa quando o pai esteve no hospital (ano passado e esse ano); fui a casamentos: Hildinha e Fernando; Camila e Fernando (ela está grávida); Jardi e Samuel (estão passeando em NY- outro fato curioso: ela me perguntou o que eu queria que ela trouxesse de lá e, até agora, estou pasmada com a minha inabilidade em imaginar o que poderia ter em NY que eu preciso ou queria comprar mais barato. Não sei, quando ela falou que iria viajar, imaginei somente aquele 'centro' -não me lembro do nome- que tem muitos prédios, luzes, propaganda, onde ficava o WTC- abreviado porque ninguém merece escrever todo aquele nome- que nem vontade tenho de conhecer. Imagina a lotação. Imaginei também a Broadway, que também não tenho vontade de conhecer- eita, mas tá chata hoje, tá é com inveja da viagem alheia. Pensei também nos museus. Esses eu queria ver.); Natália e Hélder. Muitos casamentos.

O Flávi casou e o fato teve grande impacto nas nossas vidas, do quarteto. Foi para SP ser padrasto de 3 crianças saídas de algum seriado da tv. Está agora mais adaptado, fazendo residência em saúde mental e feliz.

Juliet se formou! Depois de muita peleja, malabarismos nos últimos meses de internato e até eletivo em sb, deu certo. O trabalho começa em setembro, em Fortaleza, que sorte. Passou dois meses em férias de vida real. Boa sorte a ela.

Davilinder saiu da casa dos pais (saiu no período em que eu escrevia por aqui) e já voltou para ela. Namorou e desnamorou um sem número de vezes. Está novamente se consumindo com trabalho e postergando a monografia. 

Tive mais contato social, nesses últimos meses, saí com pessoas que nem imaginava. Algo que realmente tem me espantado, e, certo modo, causado orgulho. Além de consolidando/construindo amizades. Devo ter ido a praia umas 3 ou 4 vezes nesses dois últimos anos (!), até banho de mar teve!

Saí e entrei no p. Gostaria de escrever sobre isso, mas não vou. Talvez algum dia.

Continuo fã de Smiths, Joy Division. Fomos ao show do A-ha (devia ter escrito uma publicação à época, perdi muitos dos elementos de análise da noite); fomos ao show do Paul McCartney (também devia ter escrito). Por acasos descobri Clube da esquina, Grande encontro (Zé Ramalho, Alceu Valença, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo), Foster the people, Florence + the Machine, Kate Bush, Led Zeppelin, Governo (com os vocais de Valter Hugo Mãe!). Descobri há dois dias a fase psicodélica de Ronnie Von. Merece uma publicação musical ser escrita. 
      
Enfim, texto imenso, sem fotografia, vídeo. Só texto e chatice. Queria escrever mais. Ah, nem contei: iniciei duas histórias em paralelo e tenho duas em mente. No momento, estão paradas. Ainda não sei se serão contos ou novelas. Não sei.

Preciso ir dormir, o relógio do computador marca 1:25 e amanhã tem pré-natal! Bocejar na frente das grávidas fica feio, não acha? Deixo aqui as promessas de novos textos para esse blog. Tanta coisa listei, talvez mais que a soma de todas as outras publicações anteriores. Prometo também mudar esse rosa pavoroso desse lugar. Não vou tirar hoje pois não pensei em outra proposta. Fica pela inércia. 

Até,

domingo, 8 de agosto de 2010

Poema

Homenagem à postagem anterior

Poema

Ney Matogrosso

Composição: Cazuza / Frejat

Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo e procurei no escuro
Alguém com seu carinho e lembrei de um tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo
Hoje eu acordei com medo mas não chorei
Nem reclamei abrigo
Do escuro eu via um infinito sem presente
Passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim, que não tem fim
De repente a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua
Que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio mas também bonito
Porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu
Há minutos atrás

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Ceremony

Fazia muito tempo que nem aparecia por aqui. Falta de tempo. Nem falei sobre o show do A-ha; corre grande risco de eu me esquecer dos detalhes. Mas hoje não é para isso. Não mesmo. Vim porque estou inquieta. Nos últimos dias do único mês de férias do internato, sem querer, passeando pela internet, nem lembro como, cheguei em Ceremony. Primeiro na versão do New Order. Não consegui escutá-la por inteiro.

Primeiro vou explicar aos que não fazem nem idéia do que é New Order e Joy Division. Joy Division era uma banda de pós-punk inglesa do final dos anos 70 cujo vocalista e letrista, Ian Curtis, sofria de graves problemas de epilepsia não controlada, depressão, abuso de álcool, desadaptação e problemas conjugais. Tinha crises de epilepsia durante os shows e, inclusive, fez uma música sobre sua doença: "She´s lost control". Há 30 anos (18/05/1980), em meio ao sucesso da banda - que estava prestes a iniciar uma turnê nos EUA - e o tormento de sua conturbada vida pessoal, Ian se enforca em sua própria casa. Bom, pouco tempo depois, os membros restantes (Bernard Sumner, Peter Hook e Stephen Morris) e a namorada de Stephen formaram uma nova banda: New Order. O Joy Division era bem mais pesado, era muito reflexo da decadência e as sobras que o capitalismo deixou para juventude da classe trabalhadora de cidades operárias da Inglaterra; além de sofrer grande influência dos problemas de Ian. Já o New Order vem com uma sonoridade diferente, mais influências da música eletrônica, buscando uma superação.

Agora voltando ao início do ponto. Ceremony foi uma das últimas músicas escritas e cantadas por Ian antes de sua morte. No primeiro disco do New Order, regravaram Ceremony, uma homenagem ao que eles construíram e ao companheiro que havia partido. O fato é que a versão, apesar de menos sombria, evoca uma forte melancolia. Faz-nos sentir presos ao passado, sem saber se é possível superá-lo. Um medo.
Certa vez, tive um pesadelo e me acordei com uma sensação que realmente não explicar. Uma dor física; aperto no peito, dispnéia, algo de angústia com medo, raiva, culpa e rancor. Realmente não sei descrever. Parei e tentei me lembrar do sonho. Veio a mim como um filme triste: uma pessoa de que gosto muito havia cometido suicídio. Tudo muito rápido, ainda consigo me lembrar e reviver- em menor intensidade, claro- o que vivi e senti naquela noite: Raiva, nem uma carta de despedidas, por que não me conversou comigo sobre o assunto?; Culpa, porque não pude ajudar, Impotência, por não ter podido evitar; Corroída. Conversei sobre o assunto, os maus dias foram passando, me esqueci.
Acontece que, meses depois, ao reescutar Ceremony, tudo o que senti voltou. Como se a cabeça não parasse de girar, parece que os sentimentos são uma bomba, quase a me explodir. Minha pele, meus ossos são uma frágil parede de uma barragem de sentimentos transbordantes, com toda a pressão para vazar. Fechar os olhos, respirar, tudo dói.

Acredito que, da primeira vez, cheguei perto, mesmo que por instantes da sensação que o enlutado de um suicida tem. Daí fica pra mim mais fácil entender por que é que esse tipo de luto tem mais chances de virar patológico. Porque é uma dor paradoxalmente inexorável, porque é austera, firme, quando se tenta superar; ao passo que cresce, logo quando se mantém, cresce em degraus. É isso, cresce em degraus.

Sei que não foi apenas a música que me trouxe de volta esse sentir. É interessante, que justamente nesses últimos dias, tenho pensado no Sísifos e o poema que eu havia escrito antes pensando em algo, agora ganha outra simbologia; mais dura e sombria. Por isso a música me remeteu ao pesadelo. Não porque Ceremony é uma música triste, mas porque eu fugi, tentei me esconder da pedra que descia tão rápido, por esse caminho tão íngrime. Enquanto me escondia, Sísifos tentava, em vão, gritar, do topo da colina, que não adiantava me esconder, a maldição está ali; por mais que a pedra esteja no alto, e ele já com as pernas cansadas e sangrantes, braços trêmulos e fatigados, não interessa, a PEDRA CAI. Resta a Sísifos o sonho de um dia sair dessa condição. Ceremony me lembrou disso.

Por que ele simplesmente não chuta a pedra montanha a baixo, para que ela se despedace de vez? Não sei, as prisões da mente não são tão simples de se conseguir alavará, ou seria alforria?

O Ian também gostava do Bowie, e ao que a cronologia me permite inferir, ele também deve ter ouvido Heroes/Helden. Não acreditou, Tânatos venceu seu Sísifos.
P.S. Desculpe-me por tudo, mas não desistiremos de você.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A moral Bolche e a moral Espontaneísta

Retirei um trecho de "A moral Bolche e a moral Espontaneísta" de Nahuel Moreno, o texto que citei na postagem anterior. Aproveitem...
O Que é a Moral?
Para avançar neste terreno, devemos começar por nos colocarmos de acordo em o que é a moral, o que significam os valores e deveres morais. O homem vive em sociedade, formando parte de agrupamentos humanos, classes, grupos, famílias, nações, bairros. Essas estruturas sociais, para se manterem e se desenvolverem necessitam impor aos indivíduos que a formam, uma série de normas, obrigações, que garantam a conquista de objetivos como a solidez dessas estruturas. Essas normas que toda estrutura social impõe a seus indivíduos, são justamente as Morais. A ciência moderna, tende a dividir essas normas entre as mais abstratas, que estuda a ética, e as mais concretas, os deveres, que analisa uma nova ciência, a deontologia ou ciência dos deveres. Não quero me perder nos detalhes, que para o nosso caso são secundários. O importante é compreender o papel social fundamental que cumprem as normas sociais: o meio de garantir que o indivíduo, pressionado pelos valores e deveres de sua organização social, responda às necessidades desta. Um exemplo: um sindicato é uma organização social, tem portanto, normas e deveres morais para com seus integrantes. Estas, entre outras, são as seguintes: acatar sempre o que os operários resolvam por maioria, ser solidário com todo pessoal em greve, não "furar greves" nunca. Estas normas garantem a solidez, desenvolvimento e conquista dos objetivos da organização sindical. Se não existissem ou se não se cumprissem, essa organização desapareceria em curto prazo. Estas normas morais se impõem por convencimentos dos indivíduos e por pressão moral e até física da organização social sobre eles. O que caracteriza é a pressão moral, ou seja, de opinião coletiva da organização. Em torno deste último aspecto, surgem os pontos de contato e as diferenças entre o direito e a moral. Em um sentido, o direito é a moral mais um garrote, o do Estado ou qualquer outra superestrutura. Mas o direito é muito mais que isso, já que regulamenta muito mais relações que a moral. Enquanto esta apenas dá normas para a atuação individual dentro da organização, o jurídico dá leis ou resoluções que tratam de regulamentar todas as relações existentes na sociedade, entre as classes, os grupos, os indivíduos, de todos eles entre si, mas em benefício de uma classe e aplicado por um estado a serviço da mesma classe. Dai que o direito utiliza os meios diretamente compulsivos, a cadeia, as penalidades, próprios da força do estado, enquanto a moral utiliza a persuasão ou o repúdio moral, isto é, de opinião de grupo. Algo semelhante ocorre com os costumes. Todo agrupamento tem seus hábitos de vida; se cumprimentam de tal forma, nós por exemplo, nos dizemos "como vai companheiro", outras organizações de esquerda "como vão camaradas". Fazem-se bailes ou almoços, ou ambas atividades de uma vez. Cada agrupamento social tem seus hábitos cotidianos de viver, são os costumes. Têm há ver com a pratica diária de existência desse agrupamento. Estes hábitos ou costumes cotidianos são fundamentais para a subsistência do agrupamento, mas não fazem à essência das relações, os costumes ou alguns deles, podem mudar sem afetar em nada o agrupamento. Também alguns indivíduos podem ser diferentes, não cumprimentam dizendo "como vai companheiro", mas sim, "como vão amigos e amigas", é contra o costume, mas não afeta em nada a estrutura do agrupamento, neste caso nosso partido. Os costumes são elemento espontâneo do agrupamento, tomado em sua média estatística. A moral funde suas raízes nos costumes, mas bem diferente, não é toda a vida cotidiana como esta última, mas um aspecto privilegiado desta, aquele aspecto que faz à sobrevivência da estrutura social de que se trata e, portanto, são normas estritas, severas, essenciais para serem aplicadas por indivíduos. Aclaram-se assim as três escalas deste aspecto da vida social. - Os costumes é o espontâneo, o geral e o cotidiano da vida e práxis de todo agrupamento social. A moral são as regras, normas, deveres que garantem a sobrevivência, desenvolvimento e fins do agrupamento social, através dos indivíduos que o formam. O direito é uma superestrutura que tende a regulamentar todas as relações, não só as excepcionais e essenciais, como as morais, mas todas, desde as horas de reunião de um partido, até as relações entre as classes no direito público do estado burguês. Toda classe, organização social, tem então, seus costumes, moral e direito. Nosso partido, o partido bolchevique argentino, o PRT, não é uma exceção. Todos nós sabemos que temos nossos costumes, alguns parecem ter se esquecido que também temos uma moral e temos nosso direito (o estatuto).A Crise da Moral Burguesa A burguesia, em sua época de ascenso e plenitude, impôs uma sólida moral. A base dessa moral era dada pelas necessidades da acumulação primitiva capitalista. A célula fundamental dela era a família patriarcal burguesa, com muitos filhos e o domínio absoluto do pai, os máximos valores eram os familiares. O futuro, com seu afã de engrandecimento, condicionava todos os valores morais. A poupança, a economia, a obediência servil dos filhos e da mulher ao chefe da família, a acumulação de um capital antes de se casar, o que levava a que se casassem já maduros, o casamento acertado entre famílias para que as filhas se casassem o mais rápido possível, quase meninas, para que não fossem uma carga para o processo de acumulação, caracterizava esta moral. Como vemos, predominava a organização familiar e uma moral adequada a essa organização, cujo objetivo era a acumulação capitalista. Tudo era sacrificado pelo futuro, principalmente o presente. Os homens se casavam já maduros porque haviam sacrificado sua juventude para a acumulação da fortuna que lhes permitiria constituir um lar burguês, com a marcha acumulativa assegurada. Primeiro a fortuna, depois o casamento, era a regra moral. As meninas, para assegurar seu futuro, eram obrigadas a casar com velhos que poderiam ser seus pais ou avós, se lhes frustrava, por toda vida, suas possibilidades instintivas, para lhes assegurar um futuro econômico. Entre essa moral oficial e as necessidades biológicas, produzia-se uma dicotomia, uma grave contradição, insolúvel dentro dos marcos estritos daquela. Dai que essa moral entrasse em contradição com o costume, era hipócrita, já que solucionava ou tentava solucionar suas contradições por meios ocultos e hipócritas. Para os homens: os prostíbulos; para os jovens, especialmente os da burguesia, as vedetes ou "malas gruas" como com ironia as definiam os franceses do fim do século, porque levantavam seus candidatos desde o palco, ou diretamente a amante cara. Para as pobres mulheres, condenadas a uma moral oficial masculina, a "traição" de seu velho esposo ou, se as circunstâncias o impedissem, o anamoramento romântico, "impossível", cheio de versos "cursi" que escondiam aparências mais realistas. Mas, em geral, a mulher burguesa esteve condenada sob esta moral a não satisfazer suas necessidades biológicas ou culturais, já que os cartões postais ou os versinhos do apaixonado do momento não podiam satisfazer essas necessidades prementes. No século passado, e em grande parte no presente, segundo os sexólogos, a maior parte das matronas da burguesia morriam sem haver conhecido o ato sexual integralmente e as que conseguiam eram uma exceção, que quase sempre se dava em uma idade relativamente madura, depois dos 30 anos. Paralelamente a estes problemas morais e de costume, foi-se produzindo outros, à medida que a burguesia acumulava: a necessidade de gozar do conquistado. A conseqüência disto, foi que, das duas caras da moral burguesa, a pública e a restrita, a hipócrita e a oculta (o adultério, as amantes, os prostíbulos), o desenvolvimento capitalista foi dando proeminência a esta última. Isto significava que a necessidade de acumulação primitiva deixava lugar ao andamento normal, não opressivo dessa mesma acumulação. Poderíamos falar de duas morais burguesas, uma a de acumulação primitiva, outra, a da burguesia em seu apogeu. Na primeira domina o futuro, tudo ou quase tudo era sacrificado por ele. O presente se esconde e é solucionado de forma clandestina. Em seu apogeu, produz-se um bastardo equilíbrio entre o futuro e o presente, a hipocrisia se torna pública, e a burguesia aceita gozar o presente, sem renegar o futuro. Mas as graves contradições continuaram existindo. Os grandes descobrimentos de Freud não podem ser explicados sem os enfocar como conseqüência da observação destas graves contradições da moral predominante de sua época, em Viena. Freud utilizou a ciência para descobrir a hipocrisia dessa moral e o lado oculto dela, o biológico. Este século o da decadência da burguesia, com ela cai em pedaços sua moral, esta entra em uma crise tão brutal como o regime que a fundou. A família patriarcal burguesa da etapa de ascenso, desaparece, se rompe, para dar lugar a relações entre os sexos e os membros da família anárquica, crítica, onde o elemento fundamental é a transformação de cada indivíduo em desfrutador do mundo e do outro sexo. Esta moral reflete a passagem da acumulação capitalista desesperada à tentativa da burguesia de gozar o presente. É a putrefação do indivíduo burguês levado aos seus últimos extremos, o das relações pessoais e sexuais. Os setores mais cultos, rebeldes ou desclassificados da própria burguesia, apelam impudicamente a um giro ao biológico, o imediato, quer dizer, o abandono de toda moral, de toda perspectiva para o futuro. A psicanálise fica na moda nos anos 20, principalmente nos Estados Unidos. Todo o espontâneo e as necessidades biológicas encontram justificação e explicação na psicanálise. Tudo esta bem e permitido, o passado e o biológico, tudo é explicado e justificado. Uma classe sem futuro, logicamente teria que cair, como todas as classes que na história perderam toda sua perspectiva, em um amoralismo. Mas a putrefação moral da burguesia teria que avançar ainda mais. Com o neocapitalismo, com o controle dos mercados pelos grandes monopólios que o caracterizam, pela manipulação dos consumidores através da propaganda, a perda da moral já é total, nem sequer é um amoralismo, já que se transforma em um consumo, em hábitos, reflexos condicionados e solucionados pelos grandes monopólios. Já a moral, ou falta de moral, nada tem a ver com pessoas de carne e osso, mas com objetos ou pessoas-objetos. Até as necessidades biológicas mais primárias são manejadas, manipuladas, pelos que controlam o mercado, que rebaixam assim a moral a um ramo a mais do mercado monopolista. A vida se torna aborrecida, a moral desapareceu, já não são deveres que os homens impõem a si mesmos, para defender uma estrutura social, mas reflexos condicionados, costumes, satisfação por esses reflexos, de necessidades biológicas ou sociais. Entramos em uma época de falta de moral ou de uma ética congelada. A esta moral da burguesia em decadência, se combina, com seus aspectos característicos, a outra moral, que é sua sombra rebelde, em certo sentido seu rosto verdadeiro, a moral dos setores deslocados das grandes cidades.
A Moral Lumpen
Nas favelas desta etapa neocapitalista estão congregadas multidões que estão relativamente à margem do mercado capitalista, sua ligação com ele, com seus fetiches, é muito menor que a dos outros consumidores. Seu regime de vida é instável. São grandes concentrações de desclassificados, lumpens. Muitos deles se transformam em operários, outros não; mas o elemento determinante está dado por essa caracterização. Os companheiros que trabalharam sobre a greve portuária, conhecem na própria carne a verdade do que estamos dizendo. Que moral têm esses conglomerados? Não necessitamos investigar muito, existe um livro magnífico que não só estudou uma família desse conglomerado, mas que retirou algumas conclusões significativas. Refiro-me a "Os Filhos de Sánchez" de Oscar Lewis; o autor, depois de assinalar que as conclusões podem ser aplicadas às grandes cidades, diz o seguinte: "outros aspectos incluem uma forte orientação para o tempo presente, com relativamente pouca capacidade de retardar seus desejos e de planejar para o futuro, um sentimento de resignação e de fatalismo baseado nas realidades de difícil situação de sua vida". Os membros da classe média, e isto inclui logicamente a maioria dos investigadores das ciências sociais, tendem a se concentrar nos aspectos da cultura da pobreza e tendem a associar valores negativos e características tais como a orientação centrada no momento presente, a orientação concreta versus a abstrata. Não pretendo idealizar nem romantizar a cultura da pobreza. Como disse alguém: "É mais fácil louvar a pobreza do que vive-la". No entanto, não devemos passar por cima de alguns dos aspectos positivos que podem surgir daí. Viver o presente pode desenvolver uma capacidade de espontaneidade, de desfrutamento do sensual, a aceitação dos impulsos, que freqüentemente esta tolhida em nosso homem da classe média, orientado para o futuro. O uso freqüente da violência significa uma saída fácil para a hostilidade, de modo que os que vivem na cultura da pobreza sofrem menos a repressão da classe média. Lewis deu um nome próprio da sociologia norte-americana a este fenômeno: cultura da pobreza, aparentemente não tem nada que ver com as categorias marxistas, é uma definição por lugar de moradia. Mas Lewis é um extraordinário observador além de estudioso. Isto o leva a fazer marxismo, e do bom; a "cultura da pobreza" - nos diz - "só teria aplicação nas pessoas que estejam no fundo da escala sócio-econômica, os trabalhadores mais pobres, os camponeses mais pobres, os cultivadores de plantações e essa grande massa heterogênea de pequenos artesãos e comerciantes, os quais em geral se classificam como "lumpen proletariado". E para que não nos restem dúvidas de que se trata da moral e cultura dos lumpens, nos esclarece, "gostaria de distinguir claramente entre o empobrecimento e a cultura da pobreza. Nem todos os pobres vivem nem desenvolvem necessariamente uma cultura da pobreza". E, rematando suas conclusões, nos diz: "Quando os pobres adquirem consciência de classe, se tornam membros de organizações sindicais ou quando adotam uma visão internacionalista do mundo, já não fazem parte da cultura da pobreza, ainda que continuem sendo desesperadamente pobres". Lewis não sabe que afiliados ao nosso partido, nossa internacional, existem "canalhas", chamando-os assim, já que não são imberbes militantes que estão na cultura da pobreza, na acepção de Lewis, que não têm nenhuma "capacidade de retardar seus desejos". Mas essa exceção não anula a correta definição do autor, que não tem porque conhecer os processos excepcionais e degenerativos.
A Rebelião Burguesa e Pequeno-Burguesa Contra a Sua Moral o Existencialismo e Espontaneísmo
Dado o objetivo específico do livro de Lewis, este não tira todas as conclusões gerais de algumas de suas observações mais interessantes: inclusive entra em contradição aparente com algumas delas. Lewis intui que a cultura da pobreza, da desclassificação, a lumpenização, com todos seus valores morais, não é própria somente do lumpen tradicional, mas que todas as classes podem lumpenizar. Por exemplo, sublinha "a cultura ou sub-cultura da pobreza nasce de uma diversidade de contextos históricos, mais comum que se desenvolva quando um sistema social estratificado e econômico atravessa um processo de desintegração ou de substituição por outro, como no caso da estratificação de feudalismo ao capitalismo, ou no transcurso da revolução industrial". Diretamente não liga neste caso a cultura da pobreza ao baixo nível econômico-social, mas a uma etapa de transição, que provoca desclassamento, ainda que ele não o diga assim. Isto se vê confirmado pela contradição formal em que cai ao assinalar como opostas a cultura da pobreza, em nossos termos "lumpen", e a da classe média, mas de relance dá a melhor definição que conheço do existencialismo como corrente filosófico-social: "talvez esta realidade do momento (presente) seja a que os escritores existencialistas de classe média, tratam de recuperar tão desesperadamente, mas que a cultura da pobreza experimenta como um fenômeno natural e cotidiano". É que Lewis não sabe que a classe média, durante a primeira guerra mundial, em alguns de seus extratos, de forma cada vez maior desde a segunda guerra mundial, encontra-se como que sem futuro, que a sociedade imperialista ou neo-capitalista a condena ao presente de uma vida automatizada pelos reflexos do mercado, ao irracionalismo da vida sob o capitalismo, ou seja, o condena a não ter futuro e portanto a não ter moral. Produz-se então, uma rebeldia dentro dos marcos burgueses contra os valores da burguesia em nome de suas próprias categorias. Tanto o sub-realismo como o existencialismo refletem essa situação sem saída de estratos muito importantes da pequena-burguesia. Mas para intelectuais pequeno-burgueses, no fim das contas, sua rebeldia é levar os princípios burgueses e pequeno-burgueses até suas últimas conseqüências. A liberdade individual como opção é uma das categorias morais principais do existencialismo, ou seja, o principio de fazer o que se quiser. A satisfação das necessidades mais primarias, o imediato, o biológico é a outra reivindicação, a vida, a existência. O individualismo é a terceira categoria. É uma filosofia e moral da pequena-burguesia lumpenizante, desclassificada, sem perspectiva, que se refugia ou busca desesperadamente no biológico e no individuo uma tábua de salvação. Sua moral é o amoralismo, já que ao colocar como suprema norma o satisfazer e optar individualmente, elimina-se o elemento funda mental de toda moral, a relação de necessidade entre o grupo e o indivíduo que forma parte dele. Este último pós-guerra explica o auge e o apogeu do existencialismo, quando a Europa capitalista ainda não havia conseguido se recuperar e o stalinismo frustrava a perspectiva revolucionária. Entre os dois fogos da decadência total da sociedade capitalista européia e o oportunismo dos grandes partidos de massas, surgiu uma terceira via, a do individualismo mais extremo, a do existencialismo, a da conceitualização filosófica e moral da rebeldia dessa pequena-burguesia, junto com seu desclassamento. Porém este um fenômeno generalizado nas épocas de crises. Setores e mais setores destas classes dominantes ou em certo sentido privilegiadas, como a classe média, vão rebelando-se desde distintos níveis e partindo de categorias ou consignas das próprias classes dominantes em sua época de ascenso. Porém sejamos claros, essa rebeldia chega a formular o aparato conceitual dos lumpens, redescobre a moral lumpen, sem a riqueza espontânea destes, com o pecado original de ser intelectualizada. Enquanto os lumpens são individualistas ao extremo, gozadores da vida e de todos os seus impulsos, vivedores do presente, que vivem optando "livremente" negando-se a aceitar o mundo da necessidade, ainda que este termina sempre se impondo, os manda para a prisão ou incendeia a favela, diretamente, sem programa, sem linha expressa, são assim porque o são e basta; os existencialistas fazem um programa e uma filosofia desse amoralismo e individualismo. É sua miséria e seu calcanhar de Aquiles elevar a uma religião o que nos lumpens é sua vida. Por outro lado é muito profundo o processo porque reflete a lumpenização de setores da pequena-burguesia produzida pelas próprias crises da sociedade burguesa.

O primeiro plantão


Para quem não sabe, os plantões da Gineco-Obstetrícia, no internato do HU, esteja na G ou na O, acontecem na sala de parto.

Meu primeiro plantão foi nessa quinta-feira. Bom, não preciso dizer o quanto assistir a um parto (óbvio que somente assisti a ele; ainda não estou preparada psicologicamente para o procedimento) foi uma experiência forte e, poderia dizer, traumatizante.

Juro que me perguntei inúmeras vezes o por quê de a história da cegonha trazer os bebês não ser realmente verdade. O bebê não queria sair, a mulher sem mais forças de onde ela pudesse retirar, o períneo se desfacelando enquanto o neonato saía, eu quase desmaio e ainda ouvi de uma pessoa do lado:"olha, que lindo, o milagre da natureza." Bem, eu não caracterizaria o que vi como lindo, e ainda acredito que mais milagroso seria se eles viesse voando embrulhados pelas cegonhas.

Bom, o que me marcou mesmo minha noite foi a presença de uma paciente DHEG. Na admissão, a residente do plantão nos orientou que ela era usuária de drogas e vítima de violência doméstica.
Conversar com a paciente foi uma experiência indescritível. Uma jovem, mais nova que eu, já havia engravidado outras 3 vezes (a primeira gravidez foi aos 13 anos), e tendo abortado todas as outras. Como sempre perdia os bebês, duvidou que dessa vez estivesse realmente grávida. Afirmou, que por duvidar da gravidez, continuou fazendo uso de álcool, cigarro, maconha, crack e mesclado (ou crackonha= crack + maconha) durante os 6 primeiros meses da gestação. Também referiu que no dia anterior o companheiro havia chutado sua barriga. E então, como manejar uma paciente dessas? Nunca vi num livro. Adiantará dizer que usar drogas faz mal a ela e ao bebê, bem como esse relacionamento dela é doentio e ela deveria por um fim nisso. Até que ponto isso ajudará a ela? A consciência de muitos, talvez. A mim?Não me é suficente para sair feliz como se nada houvesse acontecido e simplesmente esquecer, do tipo de "bem, fiz a minha parte". Eu não poderia pensar jamais desse modo porque sei que NÃO fiz.
Nesse final de semana li um texto de Moreno sobre moral, o que me fez refletir sobre esse momento vivido.
Essa moça, pertencente ao lumpem proletariado, segue sua vida permeada pelos costumes e pela moral lumpem. Sendo a moral lumpem caracterizada pela vida no presente, sem planos, individualistas. A busca pelo prazer espontâneo, os pequenos furtos, a vida nas ruas, à luz da moral burguesa, de fato, parece terrível. Como alguém pode ser capaz de ter esse tipo de atitude? Como pode ela não perceber que está acabando com a própria vida e a de seu filho?!
Esses questionamentos fariam sentido se essas pessoas estivessem inseridas no mesmo contexto sócio-econômico que o nosso (ou que se virem aos existencialistas, então). O lumpem, caracterizado como a parte da população que está a margem do sistema capitalista, conseguindo chegar, no máximo, à exploração alienada da venda de sua força de trabalho ao dono dos meios de produção. Ou seja, é quem vive por aí, de qualquer forma, os flanelinhas, prostitutas, catadores, moradores de rua. Vivem do presente, e é só. Almoçam sem pensar no jantar, pois já terem conseguido almoço; bem como com os relacionamentos afetivos e uso de substâncias. E o crack aparece como a droga que veio dizimar o lumpesinato. Uma droga acessível (custa cinco reais a pedra), com cachimbos improvisáveis, um "barato" interessante no sentido de "aproveitar o momento" e um potencial viciante ao extremo.

A droga também está inserida no contexto das classes 'elevadas'. A partir da quebra dos valores morais da burguesia, no status de capitalismo em decomposição, apontado de forma biológica por Freud, as drogas tiveram entrada fácil, a partir da idéia corrente de "aproveitar o presente" ou "a vida é curta", o uso de substâncias psicoativas torna-se mais corrente e justificado.

Aos existencialistas, em especial a Sartre, que por certo período pareceu uma figura bem interessante a meus e outros olhos, segue um trecho do livro de Moreno, que eu particularmente acho fantástico:

"Enquanto os lumpens são individualistas ao extremo, gozadores da vida e de todos os seus impulsos, vivedores do presente, que vivem optando 'livremente' negando-se a aceitar o mundo da necessidade, ainda que este termina sempre se impondo, os manda para a prisão ou incendeia a favela, diretamente, sem programa, sem linha expressa, são assim porque o são e basta; os existencialistas fazem um programa e uma filosofia desse amoralismo e individualismo. É sua miséria e seu calcanhar de Aquiles elevar a uma religião o que nos lumpens é sua vida. Por outro lado é muito profundo o processo porque reflete a lumpenização de setores da pequena-burguesia produzida pelas próprias crises da sociedade burguesa."

Enfim, a paciente segue estável, sem mais queixas de dor em baixo ventre. Nega STV ou perda LA. Refere náuseas e calores intensos pelo uso IV de Sulfato de Magnésio. A pressão continua elevada, BCF dentro dos padrões aceitos como fisiológicos, dinâmica uterina com 1/5/10. Conduta:

- Dieta para paciente com HAS

- Sulfato de Magnésio

- SSVV e CCGG

-Sobre sua condição de vida, redução dos riscos de violência física pelo parceiro e psicológica pelo uso de substâncias: NADA!

A medicina realmente tem impacto na vida de seus pacientes?..